terça-feira, 16 de julho de 2013

Trigonometria Esférica


A astronomia esférica, ou astronomia de posição, diz respeito fundamentalmente às direções na qual os astros são vistos, sem se preocupar com sua distância. É conveniente expressar essas direções em termos das posições sobre a superfície de uma esfera - a Esfera Celeste. Essas posições são medidas unicamente em ângulos. Dessa forma, o raio da esfera, que é totalmente arbitrário, não entra nas equações.

Definições básicas:

Se um plano passa pelo centro de uma esfera, ele a dividirá em dois hemisférios idênticos, ao longo de um grande círculo, ou círculo máximo. Qualquer plano que corta a esfera sem passar pelo seu centro a intercepta em um círculo menor ou pequeno.
triangulo Quando dois círculos máximos se interceptam em um ponto, formam entre si um ângulo esférico. Smart A medida de um ângulo esférico é igual à medida do ângulo plano entre as tangentes dos dois arcos que o formam.
Um ângulo esférico também é medido pelo arco esférico correspondente, que é o arco de um círculo máximo contido entre os dois lados do ângulo esférico e distantes 90° de seu vértice. A medida de um arco esférico, por sua vez, é igual ao ângulo que ele subentende no centro da circunferência.
Triângulos esféricos: Um triângulo esférico não é qualquer figura de três lados sobre a esfera; seus lados devem ser arcos de grandes círculos, ou seja, arcos esféricos.
TEte.gif
Denotamos os ângulos de um triângulo esférico por letras maiúsculas (A,B,C), e os seus lados por letras minúsculas (a,b,c).
Smart
Seja ABC um triângulo esférico como na figura, chamando os lados BC de a, CA de b e AB de c. O lado a mede o ângulo BOC subentendido no centro da esfera O pelo arco de grande círculo BC. Similarmente, b é medido pelo ângulo AOC e c pelo ângulo AOB.
Seja AD a tangente em A do grande círculo AB, e AE a tangente em A do grande círculo AC. Neste caso, a reta OA é perpendicular a AD e AE. Por construção, AD está no plano do grande círculo AB. Portanto, extendendo a reta OB, ela interceptará a tangente AD no ponto D. E OC interceptará a tangente AE em E. O ângulo esférico BAC é definido como o ângulo entre as tangentes, em A, aos grandes círculos AB e AC. Logo, BAC=DAE e chamamos de A.
No triângulo plano OAD, o ângulo OAD é 90° e o ângulo AOD é idêntico ao ângulo AOB, que chamamos de c. Lembrando que
tan c =  sen c
cos c
sec c =  1
cos c

AD cos c=OA sen c, logo AD=OA tan c

OD cos c= OA, logo OD=OA sec c
Do triângulo plano OAE podemos deduzir
AE cos b=OA sen b, logo AE=OA tan b

OE cos b = OA, logo OE=OA sec b
E do triângulo plano DAE temos
DE2 = AD2 + AE2 - 2 AD·AE cos DAE
ou
DE2 = OA2[tan2 c + tan2 b - 2 tan c tan b cos A]
Do triângulo plano DOE
DE2 = OD2 + OE2 - 2 OD·OE cos DOE
Como DOE=BOC=a,
DE2 = OA2[sec2 c + sec2 b - 2 sec b sec c cos a]
das quais obtemos
sec2 c + sec2 b - 2 sec b sec c cos a  = tan2 c + tan2 b - 2 tan b tan c cos A
Como a relação de Pitágoras (sen2c+cos2c=1) pode ser escrita como:
sec2 c=1+tan2 c

sec2 b=1+tan2 b
obtemos
cos a = cos b cos c + sen b sen c cos A
a lei dos cossenos. Propriedades dos triângulos esféricos
1) A soma dos ângulos de um triângulo esférico é sempre maior que 180° e menor do que 540° e não é constante, dependendo do triângulo. De fato, o excesso a 180° é diretamente proporcional à área do triângulo.
2) A soma dos lados de um triângulos esférico é maior do que zero e menor do que 180°.
3) Os lados maiores estão opostos aos ângulos maiores no triângulo.
4) A soma de dois lados do triângulo é sempre maior do que o terceiro lado, e a diferença é sempre menor.
5) Cada um dos lados do triângulo é menor do que 180°, e isso se aplica também aos ângulos.
Solução de triângulos esféricos:
Ao contrário da trigonometria plana, não é suficiente conhecer dois ângulos para resolver o triângulo esférico. É sempre necessário conhecer no mínimo três elementos: ou três ângulos, ou três lados, ou dois lados e um ângulo, ou um ângulo e dois lados.
As fórmulas principais para a solução dos triângulos esféricos são:
  • lei dos cossenos para os lados:
    cos a = cos b cos c + sen b sen c cos A
    cos b = cos a cos c + sen a sen c cos B
    cos c = cos a cos b + sen a sen b cos C,
  • lei dos cossenos para os ângulos:
    cos A = - cos B cos C + sen B sen C cos a
    cos B = - cos A cos C + sen A sen C cos b
    cos C = - cos A cos B + sen A sen B cos c
  • lei dos senos:
    sen a / sen A = sen b / sen B = sen c / sen C
Uma dedução dessas fórmulas pode ser vista, por exemplo, em Astronomia Geodésica.

O Triângulo de Posição

pz.jpg

Denomina-se triângulo de posição o triângulo situado na esfera celeste que tem por vértices: o astro, o polo elevado e o zênite.
Os lados e ângulos do triângulo de posição são:
  • arco entre o zênite e o polo elevado = 90° - |φ|
  • arco entre o zênite e astro = z
  • arco entre o polo elevado e o astro = 90° - |δ|
  • ângulo com vértice no zênite = A ( no hemisfério norte) ou A - 180° (no hemisfério sul)
  • ângulo com vértice no polo elevado = H
  • ângulo com vértice na estrela
O triângulo de posição é usado para derivar as coordenadas do astro quando conhecida a posição geográfica do lugar, ou determinar as coordenadas geográficas do lugar quando conhecidas as coordenadas do astro. Também permite fazer as transformações de um sistemas de coordenada para outro (determinar coordenadas do sistema equatorial a partir das do sistema horizontal e vice-versa).

Relações entre distância zenital (z), azimute (A), ângulo horário (H), e declinação (δ)

Usando a fórmula dos cossenos no triângulo de posição podemos tirar duas relações entre os sistemas de coordenadas:

Dedução para δ e φ positivos (caso mais geral do hemisfério norte):
pzne.jpg

cos z = cos (90° - φ) cos (90° - δ) + sen (90° - φ) sen (90° - δ) cos H = sen δ sen φ + cos δ cos φ cos H
sen δ = sen φ cos z + cos φsen z cos A
Invertendo essas relações para isolar H e A temos:

cos H = cos z sec φ sec δ - tan φ tan δ
cos A = sen δ cosec z sec φ - tan φ cot z

A fórmula dos senos nos dá:
- cos δ / sen A = sen z / sen H
Dedução para δ e φ negativos (caso mais geral do hemisfério sul):
pzse.jpg

cos z = cos (90° - |φ|) cos (90° - |δ|) + sen (90° - |φ|) sen (90° - |δ|) cos H
cos (90° - |δ|)= cos z cos (90° - |φ|) + sen z sen (90° - |δ|) cos (A - 180°)
Lembrando que:
cos (90° - |φ|) = sen |φ|= - senφ
cos (90° - |δ|)= sen |δ| = -sen δ
sen (90° - |φ|) = cos |φ| = cos φ
cos (A - 180) = - cos A
As equações acima ficam: cos z = sen δ sen φ + cos δ cos φ cos H
e
sen δ = sen φ cos z + cos φ sen z cos A

cos A = (sen δ - sen φ cos z)/(cos φ sen z)
que são idênticas às deduzidas para o hemisfério norte.
Analogamente podemos mostrar que essas fórmulas são válidas para qualquer latitude e declinação.

Aplicações:

Uma aplicação prática é determinar o ângulo horário de um astro no instante do nascer ou do ocaso, quando sua distância zenital é 90°, pois ele se encontra no horizonte. Da relação que isola o ângulo horário, obtemos nessa situação:
pzf.gif


cos H = cos 90° sec φ sec δ - tan φ tan δ

Como cos 90° = 0, no nascer e no ocaso a fórmula se reduz a
cos H = - tan φ tan δ
Com esta fórmula podemos calcular, por exemplo, quanto tempo o Sol permanece acima do horizonte em um certo lugar e em uma certa data do ano, pois para qualquer astro o tempo de permanência acima do horizonte será 2 vezes o ângulo horário desse astro no momento do nascer ou ocaso.
O azimute do astro no nascer (ou ocaso) também pode ser calculado facilmente usando a fórmula em que temos o azimute em função de δ, z e φ:

cos A = sen δ cosec z sec φ - tan φ cot z

Como cosec 90° = 1 e cot 90° = 0, no nascer e no ocaso a fórmula se reduz a
cos A = sen δ sec φ

Exemplo:
Quanto tempo permanecerá o Sol acima do horizonte em Porto Alegre, cuja latitude é 30oS, no dia do Solstício de verão no hemisfério sul, em que a declinação do Sol é de -23o 27'?

Usando a fórmula acima,
cos H = -tan (-30°) tan (-23° 27′) = -0,2504 → H = 104,5 ° O tempo total que o Sol fica acima do horizonte será 2 H = 209° ≈ 14 h.
Especificamente, em Porto Alegre, o Sol estará acima do horizonte aproximadamente 14 h e 10 min em 21 de dezembro, e 10 h e 10 min em 21 de junho. Note que a diferença de 10 minutos é devido á definição de que o dia começa com a borda superior do Sol no horizonte, e o dia termina com a borda superior do Sol no horizonte, e não o centro do disco solar, como assumido na fórmula acima.
O azimute do Sol no nascer (ou ocaso) tambéa, nessa data, será:

cos A = sen δ sec φ
cos A = sen (-23° 27') sec (30°) = -0,46
Logo A = 117°(nascer) ou 243° (ocaso) o que significa que nasce entre o leste e o sul e se põe entre o oeste e o sul.

Efeito da precessão dos equinócios na ascenção reta e declinação

Seja ε = 23,5° a obliquidade da eclíptica, e seja Δλ a variação da longitude eclíptica de uma estrela, pela mudança de posição do ponto Áries de γ para γ1, devido à precessão do polo de P para P1.
A variação em declinação será:
Δδ = Δλ sen ε cos α

e a variação em acensão reta será:
Δα = Δλ(cosε + sen ε sen α tan δ).

Determinação da distância angular entre estrelas

A separação angular entre duas estrelas é a distância medida ao longo do círculo máximo passando pelas duas estrelas. Sejam A e B as duas estrelas, e sejam αA, δA, αB e δB as suas coordenadas, ascenção reta e declinação.
Podemos construir um triângulo esférico em que um dos lados seja a separação angular entre elas e os outros dois lados sejam as suas distâncias polares, ou seja, os arcos ao longo dos meridianos das estrelas desde o polo (P) até as estrelas.
Pela fórmula dos cossenos temos:
cos\widehat{AB} = cos\widehat{PA} ...sen\widehat{PB} cos\widehat{APB}
Onde:
\widehat{AB} = distancia polar entre A e B
\widehat{PA} = distancia polar de A = 90^\circ - \delta_A
\widehat{PB}=distancia polar de B = 90^\circ - \delta_B
\widehat{APB}=angulo entre o meridiano de A e o meridiano de B = \alpha_A - \alpha_B
E portanto:
cos\widehat{PA}=sen\delta_A
cos\widehat{PB}=sen\delta_B
sen\widehat{PA}=cos\delta_A
sen\widehat{PB}=cos\delta_B
cos\widehat{APB}=cos(\alpha_A-\alpha_B)}
E finalmente:
cos\widehat{AB}=sen\delta_A ...cos\delta_B cos(\alpha_A-\alpha_B)

Exemplo:

Qual o tamanho da constelação do Cruzeiro do Sul, medido pelo eixo maior da Cruz? O eixo maior da Cruz é formado pelas estrelas Gacrux ($\alpha = 12h\,31m\,11s$; $\delta = -57^\circ\,07^\prime $) e Acrux ($\alpha = 12h\,26m\,37s$; $\delta = -63^\circ\,06^\prime$)
Chamando D o tamanho do eixo maior da Cruz, e aplicando a equação acima, temos:
cos D= sen\delta_{Gacrux} sen ...a_{Acrux} cos(\alpha_{Gacrux}-\alpha_{Acrux})}
\delta_{Gacrux}= -57^\circ\,07^\prime= -57,11^\circ
\alpha_{Gacrux} = 12h\,31m\,11s = 187,80^\circ
\delta_{Acrux} = -63^\circ\,06^\prime= -63,10^\circ
\alpha_{Acrux} = 12h\,26m\,37s = 186,65^\circ
Substituindo esses valores na equação temos:
cos D= {sen(-57,11^\circ)}sen ... (-63,10^\circ)} cos (187,80^\circ - 186,65^\circ)
Portanto:
cos D= 0,9945 \Rightarrow D = 6^\circ

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