quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Geocronologia: O tempo registrado nas rochas

 
Qual a idade do planeta Terra? Como determinar a idade de uma rocha ou dos seus minerais? A geocronologia é a ciência que estuda métodos de determinar o tempo geológico, registrado nas rochas.
Durante a existência do ser humano, várias maneiras de se "contar" o tempo geológico foram idealizadas. As primeiras propostas, anteriores ao Iluminismo e à revolução industrial, eram baseadas nas escrituras bíblicas e promulgavam que a Terra teria aproximadamente 6.000 anos. O Arcebispo Usher (1581-1656), declarou que a Terra teria sido criada na noite anterior ao dia 23 de Outubro, um Domingo, do ano 4004 antes de cristo.
Com o avanço da ciência outros meios foram aventados para se calcular a idade da Terra. Uma delas foi calcular o tempo necessário para que o mar se tornasse salgado, pressupondo que este teria sido doce no início e que o sal teria sido levado pelos rios, a partir da dissolução das rochas aflorantes nos continentes. O cálculo obtido em 1899 indicou que a água do mar teria cerca de 90 milhões de anos. Mas, com o tempo, os pesquisadores descobriram que o sal das rochas não vai diretamente para o mar, ou seja, o mar não é a fase final, ele pode ser reciclado. Além disso, descobriram também que o sal do mar também é proveniente do manto e que a salinidade da água do mar é constante no tempo.
Houve ainda outras tentativas, como:
  1. calcular o tempo através da espessura das camadas de areia, desde que se soubesse quanto tempo leva para formar uma camada de determinado tamanho (taxa de sedimentação). Contudo este método está prejudicado, pois não há registro preservado que contenha todas as camadas de areias empilhadas desde o princípio da Terra, face à dinâmica transformadora do planeta e a taxa de sedimentação não é constante no tempo.
  2. calcular o tempo pela perda de calor da Terra (Estimativas de Lord Kelvin). Os pesquisadores observaram que em minas profundas o calor era maior do que na superfície e que, portanto, havia uma perda de calor. Essa perda deve ter acompanhado toda a história da Terra, começando com as rochas fundidas. O problema é que ainda não se tinha conhecimento suficiente de ponto de fusão da crosta, nem das altas pressões que atuam no interior da Terra e nem do calor interno gerado pelo decaimento radioativo (ver adiante). Assim esta estimativa de tempo não era real.
Todos esses meios de estimar a idade da Terra (séculos XVI e XVII) não passavam de 100 milhões de anos e não contribuíam para a aceitação da então nova teoria da origem das espécies de Charles Darwin (1809-1882), pois uma Terra jovem (100 milhões de anos) não poderia ter mantido a longa estabilidade que Darwin julgava necessária para a evolução gradual das espécies e sua diversificação.
Atualmente, existem dois modos de saber o quão velha é uma rocha:
O método relativo observa a relação temporal entre camadas geológicas, baseando-se nos princípios estratigráficos de Steno (1669) e Hutton (1795). Por exemplo, a presença de fósseis, onde se conhece o período de tempo de existência dos mesmos, pode-se indicar a idade da camada geológica em que o fóssil foi encontrado e por relação, indicará que a camada que está abaixo dessa é mais velha e a camada que está por cima é mais nova.
O método absoluto utiliza os princípios físicos da radioatividade e fornece a idade da rocha com precisão. Esse método está baseado nos princípios da desintegração (ou decaimento) radioativa. Desta maneira, o uso desse método, só foi possível depois da descoberta da radioatividade (1896), no final do século XIX. Em 1911, Arthur Holmes, publicou um trabalho sobre datação radioativa. Dentre os elementos químicos existentes, há alguns que possuem o núcleo do átomo instável e são conhecidos como nuclídeos radioativos. Estes elementos, através da emissão espontânea de radiação, se transformam em elementos estáveis (nuclídeos radiogênicos). Dessa maneira o elemento-pai (radioativo) se desintegra emitindo radiação e se transforma no elemento-filho (radiogênico), como o 87Rb quando se transforma em 87Sr.
Há dois pontos importantes que permitem o cálculo da idade absoluta de uma rocha ou mineral:
  1. as rochas são formadas por minerais, os quais são constituídos por elementos químicos e alguns desses, por sua vez, são nuclídeos radioativos;
  2. o conceito de decaimento radioativo envolve uma constante chamada meia-vida, que é o tempo decorrido para que metade da massa do elemento-pai se transforme no elemento-filho. Essa constante é conhecida e diferente para cada nuclídeo radioativo existente (Tabela 1, Figura 1).
Tabela 1 - Valores das meia-vidas dos elementos radiotivos
Figura 1 - Comportamento da proporção elemento-pai e elemento-filho de uma amostra em relação à meia-vida, desde a época de formação (cistalização dos minerais) da rocha até hoje.
Cada grão mineral é um crônometro do tempo geológico, assim que ele se forma, tem início o decaimento radioativo. Sendo assim, determinando-se a quantidade de elemento-pai e de elemento-filho em um mineral hoje, é possível saber há quanto tempo está acontecendo o decaimento radioativo e, portanto quando o mineral se formou.
Mas como os pesquisadores fazem para separar e extrair os elementos-pai e -filho da rocha, para quantificá-los? A rocha tem que ser dissolvida, transformada em líquido. A maneira mais rápida e eficiente é aumentando a superfície de contato da rocha, pulverizando a amostra (Figura 2) e dissolvendo-a com ácido, além de utilizar chapas aquecedoras que aumentem a velocidade da reação.
Figura 2 ? A amostra a ser estudada pode ser pulverizada (pó cinza claro) ou moída e peneirada, para se separar os minerais (cinza escuro). Note que a cor da rocha pulverizada fica diferente da rocha inteira, uma vez que todos os minerais (brancos e cinzas) são desmanchados e misturados por completo. Na outra opção a cor é mais parecida com a da rocha e ainda pode-se separar os grãos de diferentes minerais e cores.
Depois da rocha ter sido dissolvida, as ligações químicas que existem dentro dos minerais que a formam terão sido quebradas e os elementos, inclusive os radioativos, ficarão na forma de íons em solução, ou seja, separados e "imersos" em uma solução ácida (Figura 3). Dessa maneira fica mais fácil extrair os elementos-pai e -filho que serão analisados e medidos. Cada elemento químico tem uma característica físico-química diferente, se comportando de maneira variada em função da condição do ambiente (ácido, muito ou pouco ácido e básico). Utilizando essas propriedades, os elementos de interesse são separados e extraídos da solução inicial.
Figura 3A - mostra o savillex, compartimento especial, resistente aos ácidos, onde a amostra é dissolvida.
Figura 3B - mostra o savillex aberto, com a solução ácida dentro. Note que não há indícios de parte sólida, apenas o líquido. A cor amarela é dada pela presença de ferro na amostra original.
O próximo passo é levar os elementos, que agora estão individualizados em uma outra solução, para um aparelho, que se chama Espectrômetro de Massa (Figura 4), no qual cada elemento separado será medido. Depois, então, os cálculos baseados na meia-vida do elemento radioativo são feitos e a idade da rocha é obtida. O Centro de Pesquisas Geocronológicas da USP (CPGeo) faz datações de rocha pelo método absoluto desde 1964.
Figura 4 - Espectrômetro de Massa modelo "Finnigan MAT 262". É nesse aparelho que os elementos são contados relativamente.
A idade da Terra foi calculada pelo método absoluto e indica que o nosso planeta tem 4,56 bilhões de anos, portanto bem mais velho do que os estudiosos antigos imaginavam. Porém o registro mais antigo do planeta, determinado em cristais contidos em rocha, tem 4,4 bilhões (Austrália). A Terra está em constante mudança. Sua crosta está continuamente sendo criada, modificada e destruída (saiba mais sobre o ciclo das rochas). Como resultado, rochas que registram a história embrionária do planeta não foram encontradas e provavelmente não existem mais. Portanto, a idade da Terra não pode ser obtida diretamente de material terrestre.
Então como saber que a Terra tem essa idade? Os cientistas presumem que todos os corpos do Sistema Solar (Figura 5) se formaram na mesma época, inclusive os meteoritos (provenientes do cinturão de asteróides). Sendo assim, como os meteoritos são corpos extraterrestres que caem na superfície da Terra, eles podem ser datados e sua idade é a mesma da formação do planeta, ou seja, 4,56 bilhões de anos. Esta idade foi determinada, pela primeira vez, por Claire Patterson em 1956, usando os isótopos de chumbo (Pb).
Figura 5 ? Sistema solar. Os cientistas acreditam que todos os seus corpos surgiram ao mesmo tempo.
Nos Estados Unidos existem correntes religiosas que ainda defendem a idade de 6000 anos para a Terra e lutam para que isso seja ensinado nas escolas, juntamente com a teoria criacionista (Deus é criador do Homem e do Planeta, como está escrito na Bíblia), em detrimento à teoria da evolução de Darwin, que com o método absoluto de datação e uma Terra com bilhões de anos, se torna incontestável.

Fonte: Instituto de Geociencias da USP

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