O Que Todos Esses Fósseis Estão Fazendo Aqui?
Partindo-se desta pergunta, qualquer paleontólogo começa sua busca
por respostas. A formação dos fósseis está associada a uma série de
acontecimentos biológicos e geológicos iniciados com a morte de um
organismo. Sucede-se então um conjunto de eventos, como a necrólise,
desarticulação, transporte e soterramentos dos restos, até a ocorrência
final dos processos físico-químicos que transformam os sedimentos em
rocha e fossilizam os organismos nela depositados.
A área da paleontologia que se ocupa em desvendar todos os
processos acima mencionados é a Tafonomia. Tafonomia é a ciência que
estuda os processos de preservação e como eles afetam as informações no
registro fossilífero, englobando duas amplas subdivisões, a
Bioestratinomia e a Diagênese dos Fósseis (Fossildiagênse).
Neste capítulo, vamos tratar um pouco mais sobre a Tafonomia de
Vertebrados - o estudo dos processos pelos quais os restos ósseos se
transformam em fósseis -, importante ferramenta para a reconstrução de
ambientes do passado.
Uma análise tafonômica básica fornecerá importantes pistas sobre o
que aconteceu com determinado animal desde o momento da sua morte até o
dia em que o encontramos fossilizado, completo, ou muitas vezes, só
partes dele. Esta análise consiste em estudar os processos de morte, necrólise e desarticulação, transporte, intemperismo, soterramento e, por fim, de diagênese dos fósseis.
Resumo das etapas necessárias para se efetuar uma análise
tafonômica básica, reconstituindo a trajetória do resto orgânico desde
sua morte até a fossilização (modificado de Holz & Simões, 2002).
A Tafonomia serve como uma excelente ferramenta no auxílio às
questões paleoecológicas que surgem quando temos um fóssil em mãos. Se
um pesquisador dispusesse em uma mesa de laboratório, restos esqueletais
de algum organismo que viveu no passado geológico, baseado apenas em
suas feições anatômicas, poderia dizer que organismo é esse, qual o
parentesco dele com outros vertebrados e qual seu hábito alimentar.
Porém, não poderia dizer, olhando apenas os ossos fossilizados, em qual
local ele vivia, como era o clima na época em que ele vivia, como foi
que este organismo morreu e tantas outras questões de cunho
paleoecológico.
Relação entre a Tafonomia e suas subdivisões (modificado de Simões & Holz, 2002).
a Tafonomia que nos permite reconstruir a história dos fósseis e,
a partir da aplicação de conceitos ecológicos associados a análises das
rochas onde os estes foram encontrados, possibilitar as reconstruções
paleoecológicas.
Tafonomia de Vetebrados
Fósseis de vertebrados podem ser preservados nos mais diversos
sistemas deposicionais, mas cabe lembrar que, com exceção dos peixes,
que normalmente são preservados em ambiente marinho, a maior parte deles
ocorre em sistemas continentais. Desta forma, pacotes de rocha que
representam antigos ambientes lacustres e fluviais serão excelentes
locais para a busca de fósseis, já que os vertebrados terrestres
dependem de água para viver, e, portanto, é natural encontrá-los
próximos a corpos d'água.
Nos sistemas continentais, os principais depósitos onde se
encontrarão vertebrados fósseis são os depósitos fluviais. Por sua
grande capacidade de erosão, transporte e deposição de sedimentos, os
rios são os principais agentes transformadores da paisagem. Como
transformam a paisagem, alteram também o que está sobre ela,
incluindo-se os restos orgânicos depositados nos sedimentos
característicos do sistema fluvial. Deste modo, a tafonomia de
vertebrados está intimamente relacionada com a dinâmica dos sistemas
fluviais, principalmente no que diz respeito às questões do transporte e do intemperismo.
Os sistemas fluviais podem apresentar diversas classificações de
acordo com a morfologia, mas de forma geral, eles apresentam quatro
principais ambientes deposicionais: o canal, a margem do canal, a
planície proximal e a planície distal.
Principais ambientes de deposição de sedimentos num sistema fluvial (modificado de www.faculty.gg.uwyo.edu).
O que acontece em termos de deposição de sedimentos nos diversos
ambientes fluviais afetará diretamente a preservação dos organismos
(lembrando que para um resto orgânico se tornar um fóssil, ele precisa
ser soterrado!). Em dias "normais", o principal transporte e deposição
de sedimentos ocorre nos canais e nas margens dos canais, sendo que as
planícies permanecem muito tempo expostas, sem que nenhum sedimento
chegue até elas. Nos eventos episódicos, como as grandes enchentes
(aqueles que realmente carregam bastante sedimento, o suficiente para
soterrar diversos restos orgânicos), o excesso de sedimento transportado
pelo rio extravasa e acaba sendo depositado na planície.
Assim, na situação normal o transporte
estará mais restrito aos animais que estiverem incorporados ao canal,
enquanto que nas planícies o principal agente tafonômico será o intemperismo.
Já em épocas de enchentes, todo o sistema será alterado pela grande
quantidade de sedimentos que chegarão junto com a corrente hidráulica, e
ocorrerá transporte tanto nos organismos que estiverem no canal, quanto
nos que estiverem depositados nas planícies.
Para começar a elucidar a questão da transportabilidade dos ossos
na água, um pesquisador chamado Voorhies (1969) estudou como ossos de
mamíferos se comportavam quando transportados no canal de um rio. Com
base nas suas observações, definiu três Grupos. No Grupo I encontram-se
os elementos removidos quase que imediatamente pela correntes, compostos
por falanges, carpais (ossinhos das mãos) e tarsais (ossinhos dos pés) ,
além de ossos porosos como o esterno e as vertebrais sacrais. No Grupo
II se encontram os restos removidos por saltação e rolamento, como os
fêmures, úmeros, tíbias, fíbulas e costelas. Por fim, no Grupo III estão
os chamados "depósitos residuais", compostos por elementos pesados e
pouco transportáveis como o crânio e a mandíbula (veja Transporte).
Desta maneira, a análise dos Grupos de Voorhies é de fundamental
importância para aclarar a questão da transportabilidade seletiva dos
ossos. Concentrações cujo maior número de ossos pertença ao Grupo I
englobam elementos muito transportados. As concentrações ricas em
elementos esqueléticos do Grupo II podem apresentar algum grau de
transporte, mas não tanto a ponto de não se poder especular sobre o
local onde o animal vivia. Já as caracterizadas por restos do Grupo III
por serem depósitos residuais, praticamente não sofreram transporte.
No geral, podemos relacionar as feições tafonômicas com o ambiente
deposicional fluvial, portanto, algumas assinaturas tafonômicas são
esperadas para cada tipo de ambiente (Quadro).
Contexto ambiental Características tafonômicas
Canal Ocorrência comum de vertebrados articulados e desarticulados
Margem Ocorrência incomum de vertebrados, quando ocorrem estão desarticulados
Planície de inundação Nos sedimentos mal drenados ocorrem peixes
desarticulados e tetrápodes articulados, enquanto que na planície bem
drenada ocorrem tetrápodes tanto articulados quanto desarticulados,
evidência de necrofagia/carnivoria.
Ambiente deposicional e características tafonômicas gerais das assembléias fossilíferas encontradas (com base em Behrensmeyer & Hook, 1992).
Nota-se que a relação entre o sistema fluvial e preservação dos
vertebrados é bastante intrínseca e pode ser resumida da seguinte
maneira: os rios alteram a paisagem e, por consequência, tudo que está
nela. As assembléias fósseis terão sido mais ou menos transportadas de
acordo com a proximidade do canal e da época em que este rio está
(normal ou de enchentes); o intemperismo será maior em épocas normais,
pois os ossos ficarão mais tempo expostos na planície antes de serem
soterrados.
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