O geólogo com martelo adequado na mão e mochila nas costas, percorrendo caminhos e picadas, subindo morros e escarpas para recolher fragmentos de rochas não é apenas uma ficção cinematográfica. Ele existe. E ela também. Mesmo na era da tecnologia, em que se presume que para o desvendamento da natureza dos solos e do subsolo bastam os satélites.
A essa imagem equivocada contrapõe-se a pesquisa realizada pela geóloga Carolina Penteado Natividade Moreto, que utilizou amostras de rocha identificadas e coletadas em trabalhos de campo para compreender sua formação e as suas idades. Não apenas isso. Uma longa história de muitos milhões de anos que culminou na rara formação de grandes depósitos de cobre foi revelada.
O trabalho foi realizado na Província de Carajás, próximo da região da Floresta Nacional de Carajás, área de preservação ambiental, situada ao Sul do Pará, famosa nos anos de 1980 em decorrência da enorme afluência de garimpeiros que trabalhavam e viviam em condições sub-humanas em busca de ouro em Serra Pelada. À época tornou-se conhecido o registro fotográfico que lhe fez Sebastião Salgado. O tema retorna em filme recém-lançado. Passada a corrida do ouro, a região de Carajás ainda se destaca por apresentar expressivas riquezas minerais.
Província é a denominação genérica dada a regiões que concentram depósitos minerais. Em Carajás, conhecida internacionalmente devido ao potencial econômico de suas riquezas, existem as maiores jazidas de ferro do mundo além de abundância de cobre, níquel, manganês, ouro e platinóides. É a região mais importante do Brasil em recursos minerais e a que no mundo concentra a maior diversidade desses depósitos, e por isso atrai empresas de mineração e pesquisadores nacionais e internacionais.
Ao iniciar o estudo, Carolina tinha grandes desafios: compreender a evolução geológica de Carajás, ou seja, como se deu a origem e a transformação das rochas ao longo do tempo geológico, e a evolução metalogenética, que explica como se formaram os depósitos minerais, em especial os de cobre. "Depósitos minerais são sempre anomalias no nosso planeta. São raros justamente porque dependem também da rara coincidência de processos geológicos", diz ela.
Através de estudos geocronológicos, envolvendo datação das rochas, a pesquisadora conseguiu caracterizar as rochas mais antigas de Carajás, que beiram 3 bilhões de anos e estão entre as mais antigas do Brasil. As rochas datadas mais antigas da Terra têm cerca de 4 bilhões de anos, em um planeta formado há 4,5 bilhões de anos. É difícil encontrar rochas no intervalo de 3 a 4 bilhões de anos. Entretanto, para Carolina, o principal mérito do trabalho foi o de determinar idades precisas e compreender como se formaram os depósitos de cobre de Carajás.
Outro achado da pesquisadora foi a constatação de que depósitos de cobre, embora muito próximos e com características semelhantes, formaram-se em épocas muito distintas – 2,7 e 1,9 bilhões de anos –, mostrando uma rara recorrência de eventos geológicos ao longo do tempo. Com base nessas constatações, ela conseguiu integrar informações obtidas ao longo de mais de dez anos pelo Grupo de Pesquisa em Evolução Crustal e Metalogênese do IG-Unicamp e propor um novo modelo evolutivo para os depósitos de cobre.
O minério é basicamente uma rocha, porém suscetível de ser explorado economicamente. O interesse está em extrair dele um mineral ou elemento, separando-o do restante do material, a ganga, que não tem interesse econômico. A pesquisa concentrou-se na caracterização do Cinturão Sul do Cobre, na área dos depósitos de ferro-cobre-ouro. Centrou-se na determinação das idades de cristalização das rochas hospedeiras desses depósitos e no estabelecimento de modelos evolutivos para os depósitos a partir dos dados geocronológicos inéditos obtidos e dos disponíveis na literatura.
Os modelos teóricos delineados podem ser estendidos para a compreensão dos mecanismos de formação de depósitos de cobre em outras regiões do Brasil e do mundo. Apenas com a reconstituição de processos geológicos que atuaram em um passado muito distante podem ser entendidas em quais partes do planeta depósitos minerais podem ser encontrados. Os conhecimentos científicos agregados ao trabalho relativos à determinação das idades das rochas e de como nelas se acumularam os bens minerais podem servir, portanto, de importantes guias para nortear a prospecção e a exploração mineral.
Adicionalmente, embora os recursos minerais sejam utilizados no dia-a-dia por todas as pessoas – do papel ao smartphone – e sua demanda seja crescente em termos mundiais, entender que esses bens minerais não são renováveis, mas resultantes de uma extraordinária coincidência de processos geológicos pode auxiliar na proposição de políticas sustentáveis para o setor mineral.
Exemplos desse significado são as apresentações que Carolina realizou, durante o estudo, em encontros nacionais e internacionais no Chile, Austrália e na Suécia, e que a levaram inclusive, em 2011, a ganhar o prêmio de melhor apresentação no 11th SGA Biennial Meeting, promovido pela Society for Geology Applied to Mineral Deposits, realizado em Antofagasta, no Chile.
Ela foi também selecionada, entre estudantes de todo o mundo, para participar de excursões de campo em depósitos minerais situados na Cordilheira dos Andes e no norte da Suécia. Essas participações lhe permitiram comparar Carajás com outras províncias minerais do mundo.
O trabalho
O trabalho de campo envolveu a coleta de amostras de rocha a céu aberto, no entorno das minas de cobre, e também o recolhimento de amostras fornecidas pela Vale, principal mineradora na região, na prospecção em diferentes profundidades. Centenas de furos de sondagem são realizadas com o objetivo de determinar como o minério se distribui, suas reservas e seus teores.
Trazidas para o laboratório, as rochas são então caracterizadas com o auxílio de microscópio petrográfico e de microscópio eletrônico de varredura. Depois são trituradas e moídas até um pó muito fino a partir do qual são feitas as análises desejadas e que permitem determinar os elementos que a constituem.
A determinação da idade de formação da rocha, o chamado estudo geocronológico, é feita a partir de cristais microscópicos de minerais coletados no pó da rocha, que possuem elementos radioativos e radiogênicos, os pares Urânio-Chumbo (U-Pb) e Rênio-Ósmio (Re-Os). Estes pares, que se prestam à datação, estão no interior de minerais, tais como zircão, monazita, titanita e molibdenita na forma de raros cristais que constituem as rochas estudadas e devem ser separados.
Nesta fase, o trabalho assumiu características inacreditáveis, pois precisam ser separados cristais que medem aproximadamente 30 micrômetros, ou 0,003 milímetros. Na mão. A pesquisadora esclarece: "Para separá-los eu garimpei o minério em uma bateia. A diferença de densidade faz com que se concentrem no fundo zircão, monazita, titanita e outros componentes mais densos. Ao final restam na bateia 20% do material de partida. Uma vez seco, esse resíduo é levado a um separador magnético que retira os componentes radiativos. São separados então os cristais que interessam utilizando-se um fio de cabelo, que tem diâmetro próximo ao dos cristais". Na sequência estes são colados em uma fita adesiva adequada, recobertos com resina e encaminhados para datação. Durante o doutorado, ela processou 65 amostras de rocha, em um trabalho de meses.
A idade das rochas é determinada pela quantidade de decaimento radiativo, já que nos pares U-Pb e Re-Os o primeiro elemento é radiativo e o segundo ocupa o final da série de decomposição, sendo chamado de radiogênico. Utilizando o conceito de meia-vida e com base nas quantidades relativas dos elementos do par, é determinada com grande aproximação a época em que o depósito se formou.
O melhor equipamento para essas determinações é o SHRIMP (Sensitive High-Resolution Ion Microprobe), do qual existem muito poucos no mundo. O único existente no Brasil é o do Instituto de Geociências da USP, adquirido há alguns anos, e onde ela mesma fez as medidas U-Pb. Para as determinações Re-Os ela foi para a Universidade de Alberta, no Canadá, onde existe um laboratório pioneiro nessa técnica e considerado o melhor do mundo. A pesquisa foi financiada pela Fapesp, CNPq e INCT-Geociam (MCT-CNPq-Fapespa).
Explicações
Com base nas informações sobre idades das rochas e de suas composições, a pesquisadora concluiu que os depósitos minerais mais antigos formaram-se em grandes profundidades ao longo de grandes descontinuidades existentes na crosta terrestre. Fluidos quentes circulam na crosta, lixiviando metais das rochas, principalmente ferro, cobre e ouro, depositando-os depois nesses espaços. Por esta razão os depósitos de cobre formados há 2,7 bilhões de anos estão sempre muito próximos a essas grandes descontinuidades. Em Carajás, os depósitos ocorrem em áreas em que no passado remoto existiu um grande oceano, além de extensivo vulcanismo e formação de rochas magmáticas intrusivas, que também contribuíram para a formação dos depósitos.
Bem depois, há 1,9 bilhões de anos, novo evento geológico determinou que os fluidos termais também circulassem pela região, aproveitando antigas estruturas, onde não existia mais oceano. Circulando pela crosta terrestre e por grandes descontinuidades, os fluidos conseguiram concentrar novamente grandes quantidades de vários metais. Em consequência, formaram-se lado a lado depósitos de minerais de origens completamente diferentes.
Em síntese, diz Carolina: "Diferentes tipos de rochas hospedam diferentes depósitos, sempre próximos a grandes estruturas geológicas, em falhas, quebras, rupturas de rochas, formados em momentos distintos, embora muito parecidos. O conhecimento das características das rochas hospedeiras desses depósitos pode certamente guiar a prospecção utilizada pela indústria mineral".
Publicação
Tese: "Geocronologia U-Pb e Re-Os aplicada à evolução metalogenética do Cinturão Sul do Cobre da Província Mineral de Carajás"
Autora: Carolina Penteado Natividade Moreto
Orientadora: Lena Virginia Soares Monteiro
Coorientador: Roberto Perez Xavier
Unidade: Instituto de Geociências (IG)
Autora: Carolina Penteado Natividade Moreto
Orientadora: Lena Virginia Soares Monteiro
Coorientador: Roberto Perez Xavier
Unidade: Instituto de Geociências (IG)
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